A sua voz, doce q.b., dava um swing particular à Girl from Ipanema, a versão inglesa e mais jazzística elaborada por João Gilberto (seu marido, entre 1959 e 1964) e pelo saxofonista Stan Getz, do original criado pelo primeiro e por Vinicius de Moraes. A morte de Astrud Gilberto foi confirmada na madrugada desta terça, 7, pela neta da cantora, Sofia Gilberto, nas redes sociais: “Venho trazer a triste notícia que minha avó virou estrela hoje e está ao lado do meu avô João Gilberto [1931-2019]. Astrud foi a verdadeira garota que levou a bossa nova de Ipanema para o mundo.”
Astrud Evangelina Weinert, filha de pai alemão e mãe brasileira, nasceu em Salvador, a 29 de março de 1940. Cresceu e viveu a sua juventude no Rio de Janeiro, até se ter mudado em 1963 para os Estados Unidos, com João Gilberto, onde gravou aquele que se tornou o hino da bossa nova. Por mero acaso, como relatou o jornalista Martin Chilton num artigo escrito em 2022 para o jornal britânico The Independent. “Quando ouvi Astrud pela primeira vez, pareceu-me que havia algo de inocente e recatado na sua voz – o oposto dessas mulheres de voz forte que cantam rock ‘n’ rol”, afirmou Getz, numa entrevista. Existem versões díspares sobre quem teve a ideia da sua participação. O certo é que, apesar de a música ter vendido mais de cinco milhões de cópias – diz-se que é a segunda mais tocada em todo o mundo, depois de Yesterday, dos Beatles –, a cantora só ganhou 120 dólares pela gravação e não lhe foi atribuído o crédito no disco original Getz/Gilberto. Tímida, não conseguiu enfrentar uma indústria discográfica manipulada pelos homens. No entanto, há quem defenda, como Bryan McCann, professor da História do Brasil na Georgetown University, que “foi Astrud Gilberto quem fez do álbum um sucesso estrondoso”.
A cantora Bebel Gilberto, filha de Miúcha – com quem João Gilberto esteve casado entre 1965 e 1971 – afirmou ao jornal O Globo: “Astrud sempre foi um doce comigo. Muito querida, me recebeu de braços abertos quando me mudei de vez para Nova Iorque nos anos 1990. (…) Quando fui crescendo, fui entendendo melhor a importância dela na música e o seu valor como cantora. Uma verdadeira musa, que encantou e inspirou gerações e gerações pelo mundo inteiro.”
Após o divórcio de João e Astrud, em 1964, a cantora aceitou fazer uma digressão na América como parte da banda de Getz, músico com uma reputação pouco recomendável. Uma decisão tomada por pura necessidade, da qual se arrependeu mais tarde. “Foram tempos muito difíceis”, escreveu em 2002. “Além de estar no meio de uma separação e lidar com as responsabilidades de ser uma mãe solteira e ter uma nova carreira exigente, também estava sozinha pela primeira vez na minha vida, num país estrangeiro, a viajar com uma criança, a passar por dificuldades financeiras… e, claro, infelizmente, era totalmente ingénua”. Dali resultou o álbum gravado ao vivo, Getz Au Go Go (1964), no qual figurava em cinco canções. Assinaria depois contrato com a Verve Records (a mesma editora de Stan), com quem lançou oito álbuns.
Astrid fez o seu percurso profissional nos Estados Unidos – no Brasil, os críticos musicais nunca lhe deram grande crédito –, tendo gravado 19 discos, entre os quais, The Astrud Gilberto Álbum (1965), com Antônio Carlos Jobim na guitarra, ou Look to the Rainbow (1966), com arranjos de Gil Evans, referência mundial do jazz. Trabalhou ainda com o saxofonista Stanley Turrentine, com a James Last Orchestra e, em 1996, com George Michael, para o dueto de Desafinado, que figurou no álbum Red Hot + Rio, cujos lucros foram destinados a promover a consciencialização sobre a SIDA. Em 2002, após o lançamento do seu último disco, Jungle, abandonou os palcos. Seis anos depois, recebeu um Grammy latino pela sua carreira. A sua voz lânguida, melancólica e sedutora, contudo, será para sempre recordada pela sua primeira gravação.