Quando era pequena, antes de adormecer, Fábia Rebordão imaginava que estava em cima de um palco, com os holofotes voltados para ela, a cantar de microfone na mão. Sempre que lhe perguntavam o que queria ser quando crescesse a resposta era invariavelmente a mesma: cantora. “Esse sonho tornou-se realidade”, diz a fadista de 31 anos à VISÃO.
A artista não esconde a ambição de criar uma identidade musical própria. “Quero que as pessoas percebam que sou eu ainda antes de cantar”, afirma, num espaço que conhece bem, a Casa de Linhares, em Alfama, onde habitualmente canta.
Eu, o seu segundo disco, é um passo na construção dessa identidade. Até porque desde a edição do álbum de estreia, A Oitava Cor (2011), Fábia viveu uma transformação física óbvia que a deixou mais próxima de si mesma.
Depois de ser galardoada com o Prémio Revelação pela Fundação Amália Rodrigues, em 2012, a cantora não se reconheceu nas imagens da gala e decidiu perder peso. “Senti que estava num corpo que não era o meu. Conversei comigo e decidi que tinha de fazer alguma coisa para me sentir eu, daí o nome do disco”, revela.
Determinada, perdeu 45 quilos e ganhou a liberdade de ser ela própria.
A PRIMA AMÁLIA
Filha de um soldador e de uma empregada doméstica, Fábia não se deixa ficar à espera dos caprichos do tão cantado destino. Seria um vizinho fadista e viola de fado, amigo da família, a desafiá-la a cantar pela primeira vez numa casa de fados. As instruções eram simples: aprender dois fados, chegar lá e cantar.
“Eu não sabia bem ao que ia, foi tudo sem rede. Nunca tinha cantado tão próximo do público, com aquele calor humano a fervilhar. Adorei a sensação”, recorda, com um sorriso franco. Assim se estreava aos 15 anos na mítica Tasca do Chico, no Bairro Alto.
E, já se sabe, o fado “primeiro estranha–se, depois entranha-se”. Passou a cantar todos os fins de semana em coletividades e casas de fado, em Lisboa, habituando-se a correr para o último comboio, a tempo de regressar a casa, em Alverca.
Tornou-se uma ávida consumidora de fado e, na mesma altura, tomaria consciência de um facto marcante: era mesmo prima em terceiro grau daquela que é a sua maior referência, Amália Rodrigues. “Comecei a cantar um ano depois de a Amália morrer. Infelizmente, já não a conheci”, lamenta.
Tem sido Celeste Rodrigues, irmã de Amália, quem lhe tem contado as histórias da família, e até fizeram um dueto no primeiro disco de Fábia. Mas a fadista afasta qualquer pressão familiar: “É um grande privilégio, mas não penso muito nisso. Eu sou eu, não sou a Amália nem tenho a pretensão de ser”.
VONTADE DE EXPERIMENTAR
Curiosamente, um antigo viola de Amália tem tido um papel importante na sua carreira: Jorge Fernando (que ajudou a lançar nomes como Ana Moura e Mariza).
Foi graças a ele que Fábia se arriscou na composição de letras e músicas: “Timidamente, mostrei-lhe algumas coisas que tinha composto e ele disse-me que tinha muito jeito. Com esse incentivo do nosso pequeno génio do fado, avancei”, revela.
Jorge Fernando, New Max (Expensive Soul) e Hugo Novo produziram o segundo disco, um trio que espelha as influências da cantora. Do fado à pop. Da soul à música popular portuguesa. De Erykah Badu a AC/DC. Fábia sempre gostou de experimentar.
Aos 17 anos, trocou as casas de fado pelo palco do Teatro Politeama, em Lisboa, e fez parte do musical My Fair Lady, de Filipe La Féria. A intensidade que a sua carreira foi ganhando obrigou-a a abandonar o Conservatório de Música.
Um ano depois, candidatava-se ao programa de talentos Operação Triunfo, do qual foi finalista. “Quando me candidatei só pensei na oportunidade de ter aulas e de cantar ao vivo”, recorda. Na televisão mostrou o ecletismo e a versatilidade que, mais tarde, conquistariam músicos como Ana Moura, António Zambujo, Camané ou Fausto para o grupo dos seus admiradores. Mas é a Mariza, com quem já partilhou o palco por diversas vezes, que Fábia destina o último agradecimento de Eu. “A Mariza tem estado comigo desde que eu lhe falei da ideia de gravar este disco.” E teve o privilégio de ser a única pessoa que Fábia consultou acerca da sua mudança de imagem. “Disse-lhe que estava a pensar cortar o cabelo muito curto e a Mariza respondeu que esse corte fica bem a pessoas com personalidade.”
No dia seguinte, Fábia rapou o cabelo. Mais um elemento da sua transformação exterior e interior que sublinha a sua determinação.
No concerto dado no Palácio Foz, em Lisboa, no festival Vodafone Mexefest, Fábia mostrou o quão confortável está nos espetáculos ao vivo. “Tenho sempre vontade de subir ao palco”, confessa.
E, perante o público, sintetizou o significado do novo disco: “Obrigada por terem vindo conhecer o meu novo Eu“.