LUCILIA MONTEIRO
Eram dez da noite e à porta da Livraria Lello avistava-se a plataforma 9 ¾, a que transporta os feiticeiros do mundo dos muggles – humanos sem poderes mágicos – para o mundo da magia. Do lado de fora, cerca de 10 mil fãs entupiam a Rua das Carmelitas, ansiando essa passagem. É que, do lado de dentro, estava o livro “Harry Potter and the Cursed Child – parts I & II”, o mais recente capítulo da vida do mítico feiticeiro de Hogwarts.
No entanto, só à meia noite é que a passagem era permitida e a capa da obra revelada. Atá lá, sabia-se que, ao contrário das restantes sete obras já desvendadas, esta não fora escrita exclusivamente por J. K. Rowling. Trata-se da transposição para livro da peça de teatro, com o mesmo nome, escrita por Jack Thorne e encenada por John Tiffany.
A espera era desesperante para quase todos. Há nove anos que não saía nenhum livro da saga. “Quando soube que ia haver um 8º, percebi que não podia perder a oportunidade de vir aqui”, diz-nos a primeira da fila, Patrícia Jones, de 17 anos.
Veio de Lisboa e desde as 11h da manhã de sexta-feira que esperou ansiosamente a passagem para o interior da livraria. 35 horas das quais só dormiu uma. Por um lado, porque é fã incondicional do feiticeiro, por outro, porque não podia perder a surpresa reservada aos 10 primeiros fãs a passar a plataforma 9 ¾ – um regresso a 1997, com um livro ilustrado da primeira história da saga.
LUCILIA MONTEIRO
Quase não se via o fim da fila e lá pelo meio encontrámos um rapazinho que quase se confundia com o herói feiticeiro, nos anos 90. Nos seus 12 anos, vestido a rigor com o uniforme de Gryffindor, realçavam os óculos redondos e frágeis ao estilo de Harry Potter. Quando questionado pela VISÃO, garantiu que são os que usa todos os dias e que os comprou a pensar no ídolo.
Também a cicatriz na testa em forma de Z nos pareceu verdadeira, mas aí Vicente passa a palavra à irmã Alexandra, de 15 anos, que lhe pintou aquela “obra de arte”. Passou-lhe o testemunho das histórias, que cresceram consigo, e o fato, encomendado dos Estados Unidos quando ainda não existiam em Portugal, mas que infelizmente já não lhe serve. Alexandra não se importa.
Desta nova obra admite não saber muito, apenas que Harry Potter já tem cabelos brancos fruto dos 37 anos de idade e que o papel principal vai agora ser dado ao seu filho Albus, no seu primeiro ano na escola de magia de Hogwarts. Apesar de lamentar não conseguir ver nada do que se passa à porta da livraria – o que a ajudaria a passar o tempo – garantiu que, depois da meia noite, ia substituir o sono pela leitura, e “tudo valeria a pena”.
LUCILIA MONTEIRO
Em frente da Lello estava Dumbledore a fazer as delícias dos fãs mais próximos. E a subir pela fachada da livraria acima estava o professor Snape. Ao mesmo tempo, num caldeirão, cozinhava-se uma poção mágica, de cor azul, que foi dada a provar aos aprendizes de feiticeiros. Mas não fez efeito nenhum “a não ser o da paciência”, pela espera, como assumiram duas raparigas de 15 anos. Talvez o efeito não tenha sido notado porque os atores da companhia ACARO não têm poderes mágicos nem percebem nada de magia. Foram contratados pela livraria para animar a noite, que se afigurava longa.
A Lello pediu e os fãs cumpriram: foram vestidos a rigor. De entre os adereços mais típicos, avistavam-se os cachecóis de riscas amarelas e boudeaux, ao estilo da casa Gryffindor. Mas também as varinhas mágicas invadiram a Invicta, cidade onde os primeiros rascunhos da história começaram a ser escritos, no tempo em que Joanne Rowling frequentava com frequência a livraria Lello.
LUCILIA MONTEIRO
No campeonato dos melhores trajes de Hogwarts, com certeza que entraram os de Helder Santos, 25 anos, e Fabiola Lucart, 21. Mas estes já “made in portugal” pela avó de um amigo, no ano passado. Houve também quem não tenha vindo mascarado e quem tivesse preferido esperar fora da fila.
Foi o caso de António Pereira, 54 anos, e Jonathan Gonçalves, 24. São pai e filho, brasileiros naturais de Minas Gerais. Vieram visitar Portugal nesta altura para fugir à “confusão” dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Estavam em Coimbra quando souberam do evento e não puderam deixar de vir.
Apesar de os livros terem acompanhado o crescimento de Jonathan, o pai também lhes vê um propósito único: “Se prestar atenção, vai ver que a luta do bem contra o mal reflete as fantasias que todos nós temos no nosso dia a dia”. E se acompanhou o filho a todas as estreias de cinema dos filmes do Harry Potter, que inauguraram a sessão da meia noite, no Brasil, também não poderia deixar de o acompanhar até ao Porto, nesta noite tão especial.
À meia noite, a porta abriu-se. Lá dentro estava uma réplica da vassoura de Harry. E estava, como sempre esteve, a escadaria que serviu de inspiração à escritora para criar a da escola de Hogwarts. Mas sobretudo, a magia da Lello fez com que 3 mil exemplares desaparecessem em duas horas. Poderemos sempre questionar a magia, mas o poder que Harry Potter tem sobre os fãs parece-nos inquestionável.
LUCILIA MONTEIRO