
302251ALI SCHAFLER
Num concerto de Arcadi Volodos, o público espera acrobacias no teclado, ainda que não continuamente. Não foi com interpretações discretas de Mozart ou Schubert que esse pianista russo se tornou conhecido (embora tenha um maravilhoso CD de Schubert) mas com lidas valorosas de cavalos de batalha de Rachmaninoff, Tchaikovsky, Prokofiev, Liszt, Scriabin – obras acessíveis unicamente a pianistas de técnica extraordinária. Contudo, um grande intérprete não se restringe a um único modelo. Nos últimos anos, acompanhando um abrandamento do seu ritmo de concertos, Volodos estará a focar-se noutros reportórios. Por um lado, música espanhola – em 2014, editou um CD de Mompou, compositor catalão – acompanhando a sua mudança pessoal para esse país. Por outro, compositores como Brahms e Beethoven. Deste último foi na quinta-feira, 12 de maio, à noite tocar à Gulbenkian o terceiro concerto para piano, numa atuação repetida na sexta-feira, 13.
Antes do Beethoven, a orquestra da Fundação tocou uma obra contemporânea. Finale, do compositor francês Bruno Mantovani (n. 1972) é uma boa demonstração dos motivos pelos quais, ao contrário do que muita gente pensa, se pode perfeitamente gostar de música erudita feita hoje em dia. A descrição da obra feita pelo próprio compositor – “uma forma muito rapsódica baseada no contraste entre momentos estacionários e outros enérgicos, elusivos ou altamente desenvolvidos” – soa um tanto genérica mas é adequada.
Para o ouvinte, fica a memória de um solo inicial de flauta que dá origem a uma situação musical em que notas sustentadas vão sendo interrompidas por episódios de diferentes tipos, incluindo explosões de duração e grau muito variáveis. O fascínio é sobretudo tímbrico, podendo dizer-se que a Orquestra Gulbenkian, sob as mãos experientes do maestro Lawrence Foster, aparece a uma luz brilhante quando lhe dão material assim. Isto sem desmerecer o outro item extra-Volodos do programa, as Variações Enigma de Edward Elgar, uma obra popular em idioma de romantismo tardio, que ocupou a segunda parte do concerto.
Entre esta e Finale, Beethoven. Que é como quem diz, uma obra da fase inaugural do período romântico. O terceiro dos cinco concertos para piano desse compositor é o primeiro dos três da série que se podem considerar revolucionários (Lopes Graça dizia que o 1º e o 2º concertos não esmagavam ninguém). Escrito em tom menor, é uma obra compacta e dramática a que não falta o charme melódico, e cujo andamento central, numa tonalidade maior algo remota, é um Largo onde o piano desenvolve uma elegia de um lirismo inconfundivelmente beethoviano.
Foi nesse andamento que Volodos teve alguns dos seus melhores momentos, a começar pelo gesto com que anunciou a aproximação da entrada da orquestra após o seu solo inicial. Um sentido dramático apurado mas não ostensivo, servido por um controle de tom apurado, com definição impecável, são elementos habituais da sua interpretação, tão adequados a Scriabin como a Beethoven. Se Volodos deu ontem menos nas vistas do que daria, digamos, a tocar o concerto nr. 3 de Prokofiev, foi por a música ter outras características.
Em todo o caso, as coisas são como são, e havia as tais expectativas que referimos ao início. Ficaram parcialmente satisfeitas com as cadências, em especial a do primeiro andamento do concerto de Beethoven. Mas no fim tinha de haver encores, e um desses encores tinha de ser acrobático. Assim, após uma transcrição tranquila e delicada de Bach, o pianista deu-nos a sua versão da Malagueña de Ernesto Lecuones, que não será herético descrever como uma espanholada cubana bastante mexida.
Porque não? Como dizia Elizabeth Schwarzkopf quando ouvia criticar Placido Domingo por cantar tangos, “Se ele o faz bem…”. Volodos (re)faz a Malagueña, como tudo o resto, muito bem.