“É a primeira vez que o conteúdo de uma representação portuguesa é de acesso universal”, diz, com orgulho, o arquiteto Pedro Campos Costa, 42 anos, comissário da Representação Oficial de Portugal na 14.ª Bienal de Arquitetura de Veneza. No ano em que o valor do financiamento público desceu para 100 mil euros (menos 200 mil euros do que na última edição), os portugueses trocaram o seu habitual pavilhão por um jornal: Homeland – News From Portugal tem andado nas mãos de quem visita a exposição internacional, inaugurada na passada sexta-feira, 6 de junho. Distribuído por ardinas, e disponível em máquinas no recinto, tem uma tiragem prevista de 165 mil exemplares e três edições planeadas até ao fim da Bienal, em novembro. Uma reflexão crítica e propositiva, que responde ao repto de Rem Koolhaas, o arquiteto holandês que, nesta edição, assumiu o comissariado da Bienal, lançando como tema Fundamentals/Absorbing Modernity: 1914-2014, em busca de olhares sobre a absorção do modernismo arquitetónico em cada um dos países participantes.
A ideia de Homeland, um jornal em vez de um pavilhão, foi gerar polémica e discussão?
Talvez, porque ainda não haja a noção de que a aposta nas ideias, nas pessoas, no know-how é a mais-valia essencial. Não ouvi discussão, infelizmente, porque considero fundamental discutir como e onde é que Portugal quer ser representado no futuro, neste tipo de eventos. Obviamente, Veneza é o maior e mais prestigiado dos lugares, mas existem muitas bienais no mundo inteiro e em continentes que são estratégicos para nós como aa bienais de São Paulo e de Schezen. Essa discussão é importante, saber o que queremos e como.
E porque não existe essa discussão?
Não sei.
Existe, neste formato, uma crítica implícita?
Não. Ou melhor, sim, porque o jornal é um projeto crítico, uma reflexão crítica sobre como absorvemos a modernidade e onde estamos.
Mas não uma crítica à forma como Portugal desinveste nesta representação?
Não.
Como surgiu a ideia do jornal?
O tema da bienal proposto pelo curador-geral é como a modernidade foi absorvida nos últimos anos. Os media tiveram um papel importantíssimo nessa modernidade, os jornais em suporte de papel são hoje uma peça quase arqueológica, porque, efetivamente, deixaram de desempenhar uma função central como noutros tempos. A forma escolhida permite que os artigos e os temas sejam ligados ao quotidiano, à sociedade e à política. A arquitetura precisa, mais uma vez, desta possibilidade de ligação. Sem ela, não passa de uma disciplina, especializada e técnica, que é tudo aquilo que eu acho que não é a arquitetura.
Ao mesmo tempo que a ideia parece ir ao encontro do repto de Rem Koolhaas para a bienal, noticiou-se que o comissário lamentou que Portugal levasse a Veneza apenas um jornal…
Rem Koolhaas desmentiu logo essa notícia. Tivemos duas reuniões em Veneza, promovidas por ele, onde explicámos o que andávamos a explorar, em nenhum momento tivemos uma crítica negativa. Muito pelo contrário, recebemos cumprimentos da organização e de alguns comissários que ficaram com muita curiosidade em relação à ideia. O curador-geral da Bienal lançou o call Meeting on architecture, em que as representações nacionais são desafiadas a apresentar conferências. Nós apresentámos uma proposta sobre os temas do nosso projeto, com a participação dos 21 arquitetos que integram diretamente a representação e fomos selecionados.
Porque decidiram dar “notícias de Portugal” através de seis projetos habitacionais para seis cidades do País?
O tema que escolhi foi a habitação, porque considero que é um fator decisivo para se falar de sociedade, território e política. Em Portugal, há dois momentos, nos últimos cem anos, em que a ação dos arquitetos teve uma dimensão estratégica crítica: um em ditadura e outro no pós-revolução. Um foi o Inquérito à Arquitectura Popular e outro o SAAL (Serviço Ambulatório de Acção Social). É a minha preocupação com o território, neste caso o território nacional, que me leva a procurar “espalhar” a ação e a discussão que queremos promover com a representação portuguesa ao resto do País. A escolha das cidades surge do processo com os arquitetos editores e arquitetos.
Homeland é o reflexo da arquitetura portuguesa: mais reflexão do que construção?
A construção só surge depois da reflexão.
Mas, infelizmente, a reflexão, muitas vezes, não chega a poder materializar-se em construção, não é?
Esta representação reflete e tenta iniciar processos. É uma reflexão com um objetivo.
O que podem os arquitetos portugueses fazer perante o atual cenário de falta de trabalho e de necessidade de emigração?
Lutar por uma mudança, provocar situações onde os arquitetos possam passar a intervir. Este jornal não tem fórmulas e muito menos soluções, mas pretende contribuir para o debate e, eventualmente, provocar a ação em diversos setores. Há imenso trabalho efetivo a fazer. Basta folhear o jornal, temos zonas de construção espontânea que ninguém sabe o que fazer-lhes, temos estruturas de edifícios abandonados, imensas casas para reabilitar, a sociedade muda e as habitações continuam exatamente iguais, zonas rurais com uma apetência para novos habitantes e mesmo a habitação unifamiliar pode ser vista de outra forma. Não há só estas possibilidades, existem muito mais, obviamente. Mas é necessário parar com essa loucura de achar que a solução é exportar – exportar sem energia interna é emigrar. Perder quadros qualificados nos quais investimos, e onde estão provavelmente muitas das soluções para o País, é uma loucura. Em Inglaterra, em 2008, quando chegou a crise, promoveram o maior programa de reabilitação desde o pós-guerra e como se sabe Inglaterra é o maior exportador de serviços de arquitetura.
Existem hipóteses de estes seis projetos saírem do papel?
Espero que sim. Em Loures, existe um pequeno estudo prévio feito pelos ADOC e Miguel Marcelino sobre uma proposta de reabilitação de um centro comercial cujo processo de construção parou nas obras de estrutura. Em Lisboa, o Atelier Artéria desenvolveu uma plataforma web que permite a venda dos sótãos (sem ocupação) de imóveis degradados em frações autónomas passíveis de comercialização no mercado livre, afetando o produto da venda à reabilitação das partes comuns dos mesmos edifícios. Em Évora, Miguel Marcelino já está em conversações para perceber como se pode viabilizar o projeto. Em Matosinhos, o Paulo Moreira e o ateliê Mob têm um trabalho complicado e difícil na área das construções de génese espontânea, mas estamos com esperança, até porque a Câmara de Matosinhos é, a nível nacional, uma das câmaras mais inovadoras nesta área. Por último, em Setúbal, os SAMI têm a responsabilidade de reivindicar um novo estatuto para a habitação unifamiliar, procurando novas estratégias para o seu enquadramento nos instrumentos de gestão territorial.
O que será um saldo positivo desta participação em Veneza?
Em Veneza, andar nas mãos das pessoas, e, em Portugal, pôr as pessoas a construir futuro.