Sim, este é um daqueles filmes descobridores da pólvora, que fazem revelações bombásticas e querem desesperadamente ser levados a sério. Emmerich (conhecido por ambos os Dias, o da Independência, 1996, e o Depois de Amanhã, 2004), tenta com uma imensa insistência fazer-nos crer que Shakespeare foi, afinal, um bêbado indigente, ator dissoluto, analfabeto funcional, incapaz de escrever uma vogal, quanto mais 37 peças e 154 sonetos. E ao longo do filme, vai levantando suspeitas, elementares, caro Watson. Nunca chegou até nós nenhum manuscrito seu. No celebrizado testamento apenas deixou uma cama à viúva. E a prova mais “ahah!” de todas: como é que um plebeu, filho de um luveiro iletrado de Stratford, sem acesso à doutrinação nobiliática da época, sem estudos de esgrima, falcoaria, astronomia, história, ou literatura, poderia ter tamanha erudição e fazer pentâmetros jâmbicos? É deveras estranho. O próprio Freud se intrigava. Nós, portugueses, talvez não nos surpreendamos tanto como este realizador germano-americano, porque também temos Camões com a sua quota de bruma envolvente… Mas estamos perante uma ficção histórica, é perfeitamente legítimo defender a tese. A questão é que Anónimo não levanta só a “dúvida razoável”, tenta persuadir – para grande arrepio dos académicos. E a tese proposta é ainda mais inverosímil do que admitir que Shakespeare era um génio. Envolve intriga, traição, espadeirada, cabeças a rolar no cadafalso, as catacumbas da torre de Londres, um cortejo fúnebre sobre um Tamisa gelado, a Tower Bridge a arder, o Conde de Oxford com uma reputação a defender, uma repenicada história de bastardos e incesto, e claro, a rainha Elisabeth (curiosamente interpretada por mãe e filha: em velha Vanessa Redgrave e em nova Joely Richardson). Mesmo com anacronismos e erros factuais – espera-se que mais por exigência de guião do que por lapso de investigação – é muito envolvente o reconhecimento das peças, dos ambientes, em particular a reconstituição do Globe Theatre e das lutas entre ursos e cães, na margem sul do Tamisa. Ou seja, muito som e fúria, “sem nenhum significado”.
De Roland Emmerich, com Rhys Ifans, Vanessa Redgrave, Rafe Spall, Joely Richardson; Thriller histórico; 130 min, 2011