Quase todos os filmes são histórias de alguém que cresce.
Um Profeta, de Jacques Audiard é a história de alguém que cresce, apesar dos tectos serem tão baixos que tem de andar curvado, e as paredes tão afuniladas, que, por vezes, tem de passar de lado. Porque o herói desta história, um magrebino pós adolescente, tem de crescer dentro da prisão, onde os movimentos são tolhidos, e os passos contados. Ele cresce à mesma, mas fica assim uma espécie de Kasper Hauser, apenas conectado com o exíguo mundo em que o instalam e apenas adaptado à lógica, à linguagem e às leis do estabelecimento prisional onde o encerram.
E digamos que este prisioneiro cresce, e cresce bem. Aproveita todos os buracos para estender as pernas, todos os túneis para se engalfinhar, todas as tarefas para aprender a cartilha. A cartilha de um gangster. Porque desde os primeiros minutos deste filme hiper-realista, temos uma certeza: assistimos ao nascimento de mafioso. Vêmo-lo a dar-se à luz, vêmo-lo a caminhar os primeiros passos do crime – e não haja dúvida de que para isso está na escola certa: uma prisão francesa com condições penosamente terceiro-mundistas.
E depois de
A Turma, é a vez de mais um filme francês denunciar uma outra realidade institucional, em que as regras do jogo só se entendem lá dentro.
Um Profeta é também uma história de ascenção social. Malik começa como o mais reles e desprezado recluso da aldeia prisional. Mas vai vendo, olhando, observando, aprendendo, passa a prisioneiro de segunda classe, daí a nada já circula nas carruagens de primeira, ainda que como escravo servidor dos mafiosos do topo da cadeia alimentar.
Mais interessante no filme é assistir a esta lenta progressão, com os ruídos, as vociferações, os latidos humanos, os uivos do tédio, os tráficos, os rituais, as lições, as mais bizarras regras do jogo em fundo. E também os sonhos, os fantasmas, as alucinações que contrastam com o realismo da acção, e no entanto, se encaixam como uma peça de Lego nos muros desta cadeia. Em que o chão de uns é o tecto de outro. Mas isso, mostra o filme, pode-se inverter. O realizador conta que quis encontrar um equivalente em francês para a música de Bob Dylan que diz
You Gotta Serve Somebody, estamos sempre ao serviço de alguém. Não encontrou uma expressão que lhe conviesse. Ficou
Um Profeta, porque essa ascensão ao tecto dos outros se pode antecipar. O filme pode ser lido como um manual de instruções para um pequeno gangster em progresso de carreira. Aliás, as prisões francesas têm das mais altas taxas de reincidência. O herói deste filme é um ser em vias de expansão. Ele tem todos os recursos de adaptabilidade, no sntido darwinista do termo. É um sobrevivente.