Em tempos que já lá vão, nos teatros da Grécia antiga, o Coro fazia aquilo que os personagens principais não podiam fazer: exprimir opiniões, levantar questões sociais e criticar valores morais.
Em tempos que já lá vão, no país mais ocidental da Europa, o “coro” passou a fazer aquilo que os personagens principais queriam que ele fizesse: não exprimir opiniões, não levantar questões sociais, nem criticar valores morais.
Até que, na madrugada de 25 de abril de 1974, o coro emergiu “da noite e do silêncio”, conta-nos Sophia de Mello Breyner, deixou de ser coadjuvante, tornou-se personagem principal. Cinquenta anos volvidos, porém, parece que as palavras que Belchior cantava em 1976 nunca fizeram tanto sentido. Será que “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?”
Foi talvez com esta inquietação que o encenador e diretor artístico do Teatro Nacional Dona Maria II, Pedro Penim, decidiu criar o “concerto teatral” Quis Saber Quem Sou, fazendo que fará o coro subir ao palco do Teatro São Luíz, a partir de dia 20 de abril.
Afim de “resgatar aquilo que era o sonho de abril” e deixar um aviso “para os perigos daquilo que estamos a viver agora”, Quis Saber Quem Sou celebra as vozes que, há 50 anos, entoam cantos de revolta, num país onde parece que nada muda.
Ao longo de duas horas, um coro de 13 atores revisita as canções da revolução, as palavras de ordem e as histórias pessoais das gerações que fizeram o 25 de abril, recordando a história de um sonho, que foi sonhado pelo povo, para o povo, na esperança que esse mesmo povo não esqueça o sonho que por si e para si, foi sonhado.
Num cenário semelhante às Ágoras gregas, ponto nevrálgico das primeiras democracias, as 13 vozes entoam canções que vão dos clássicos revolucionários da década de 1970, como Coro da Primavera, de Zeca Afonso, Acordai, de Fernando Lopes Graça ou a Queixa das Almas Jovens Censuradas, de José Mário Branco e Natália Correia, a títulos contemporâneos, como Prognósticos, de B Fachada.
O grupo, vestido pelo designer Luís Carvalho, que refere ter criado figurinos todos da mesma cor e com o mesmo tecido, mas com formas e silhuetas completamente diferentes, adaptadas a cada personagem, repete incessantemente que “a citação é uma arma”.
De citação em citação procura-se desfazer “o nó na garganta”, com o qual Pedro Penim acredita estarmos a celebrar estes 50 anos de Liberdade, e presta-se tributo às rimas que, em tempos, eram a única arma possível.
É que “às vezes são precisas rimas destas”, como dizia Vasco Graça Moura no seu poema de combate, para que não passemos mais 50 anos a “ser os mesmos” e “viver como os nossos pais”.